RADARZINE (OKC20)

RADARZINE (OKC20)

Like
1024
0
Sexta-feira, 16 Junho 2017
Esta Semana

O Radarzine prossegue o seu destaque alargado aos músicos nacionais envolvidos na nossa experiência científica OKC20, a celebração dos 20 anos de OK Computer dos Radiohead, onde todas as semanas estreamos novas versões para as 12 canções no alinhamento do álbum.
Depois da versão de TAPE JUNk para “Electioneering”, de “Karma Police” por Benjamim, “Exit Music (For A Film) pelos Vaarwell, “Paranoid Android” por Mirror People, “Climbing Up The Walls” na voz de Sequin, “Subterranean Homesick Alien” pelos You Can’t Win, Charlie Brown e “Lucky” por Filipe Sambado, a canção que estreámos esta semana (e que podem ouvir apenas em exclusivo durante as nossas emissões) foi a de Batida para “Fitter Happier”.

Deixamos hoje o testemunho de Pedro Coquenão sobre a sua relação com o clássico terceiro álbum dos Radiohead.

————————————————————————————————————–
Qual é a tua relação com os Radiohead, mais concretamente com o OK Computer?
Eu não apanhei muito bem o primeiro disco, tinha amigos completamente loucos logo pelo primeiro, mas esse não me acertou em cheio. O segundo já me acertou mais – aliás, o meu pijama é uma t-shirt do The Bends – e depois com o OK Computer, lembro-me que saiu assim com uma certa fanfarra, o segundo já tinha sido um êxito grande e tinha atingido muita gente, e o OK Computer saiu assim envolto numa grande coisa, lembro-me que havia até um certo receio em relação ao disco, lembro-me de a editora ter criado esse desconforto, de que o disco era muito diferente e que poderia ser difícil de ouvir e era melhor ouvir com cuidado, etc. etc. Isso, para quem é programador de uma rádio mais mainstream é assustador, mas eu na altura estava a programar a Rádio Marginal, então foi o oposto. O The Bends é um óptimo disco mas é uma coisa toda muito homogénea e coerente, às tantas era fixe ver o que é que eles fizeram então. E não me pareceu tão assustador quando o ouvi, depois daquela introdução estava à espera de um monstro, não me pareceu ser isso, pareceu-me uma evolução natural e que só dizia bem da banda, e fiquei a gostar ainda mais dos Radiohead por isso, porque me pareceu que eles estavam a caminho daquilo que nós hoje em dia reconhecemos como sendo um caminho constante, uma procura constante e uma tentativa de estar sempre a destruir e a construir, parece uma caminhada super interessante para a vida adulta. Este disco, na altura, bateu-me de tal forma que eu adormecia – hoje em dia já não o faço, nem aconselho ninguém a fazê-lo, porque é pouco saudável, dormir sempre com um disco de fundo, estás a dormir mas sempre a exercitar o cérebro – mas nessa altura adormeci muitas vezes com o OK Computer, adormecia e dormia com o disco a tocar de fundo. Portanto é um disco que me bateu bastante.
 
Nessa altura chegaste a ver os Radiohead ao vivo?
Sim, várias vezes, na altura em que o disco foi apresentado, cá e fora. Foi se calhar o disco deles que eu mais acompanhei, porque estava a trabalhar muito em rádio na altura. Eu lembro-me de ter falado com a banda na altura, com todos excepto com o Thom Yorke, e eles falavam muito da ideia de fugir um bocado à canção, na altura estavam com uma espécie de aversão, apesar de ainda haver muitas canções, e boas, no disco, eles falavam dessa tentativa de fugir à canção e de procurar qualquer coisa um bocadinho maior do que a música, inspiravam-se em muita coisa que não era necessariamente outras bandas ou outras estéticas musicais, mas mais coisas que se passavam à volta, livros, etc. E isso também me tocou, enquanto pessoa, saber que aquilo não era só um disco.
Este disco terá de alguma forma influenciado a tua forma de ouvir música? Uma espécie de antes e depois de OK Computer?
Olha, se calhar ajudou-me um bocadinho a perceber o rock que o meu pai ouvia, os discos todos que ele tinha de rock mais complexo – eu no meu quarto ouvia mais punk-rock, indie rock, hip hop, coisas mais directas ao assunto – e isto fez-me ligar a outros discos, que eu já tinha ouvido o meu pai a ouvir, não que me faça lembrar nenhum em particular, mas mais essa possibilidade de o rock não ser só aquela coisa do mito do rock’n’roll. Que é óptimo, é visceral, mas isto tinha qualquer coisa mais de mental e de poder funcionar como um disco com que eu podia adormecer a ouvir, não apenas por gostar do disco mas porque ele prestava-se a isso também. E depois marcou-me muito como peça gráfica, o disco em si tinha esse statement gráfico muito forte, tudo o que era feito à volta do disco tinha frases, slogans, tinha aquela identidade gráfica que depois se veio a perpetuar mais tarde, e a própria banda assumir o artista gráfico como parte da banda, como alguém que está com eles nos ensaios, que é creditado dessa maneira. Gosto dessa ideia de haver um diálogo permanente, uma troca de sensibilidades permanente entre as artes gráficas e a música, e eles assumirem isso (…) Tudo isso me interessou, essa mistura de toda de camadas, e fiquei fã, ficou com o selo de “Bom” para mim, e de algo em que eu podia confiar como humano, não necessariamente como uma banda a que eu pudesse recorrer para me fazer sentir melhor, era mesmo só uma banda para me fazer sentir.
Chegados a 2017, fizeste uma versão da “Fitter Happier”. Escolheste essa por alguma razão?
Calculei que ninguém a fosse escolher e eu gosto disso, porque tira-me a pressão toda de cima. Se fizeres a “Karma Police” ou “Paranoid Android” tens de fazer a melhor versão do disco, que é isso que as pessoas vão estar à espera de ouvir na Rádio. O “Fitter Happier” é aquela música que ninguém, à partida, vai pôr no Spotify para ouvir ou vai dizer «epá, agora está-me mesmo a apetecer ouvir o “Fitter Happier”», e nenhum grupo de escuteiros vai agarrar numa guitarra acústica e fazer essa versão, então pareceu-me ser aquela música que é um bocado o filho bastardo, o acidente que aconteceu ali, mas às tantas não, aquele tema faz parte do disco e tem que lá estar, o disco não era a mesma coisa sem aquele tema. Então optei por olhar para ela de uma forma actualizada, porque me parece – mais do que uma canção, no sentido clássico – uma espécie de reflexão, retrato, de qualquer coisa que afectava a banda naquele momento. É uma peça artística, certamente, mas parece mais uma instalação e não tanto uma coisa que se preocupa em ter um refrão e em ser agradável. Parece só quase que uma performance, em disco.
 
Na tua versão, a ideia foi pegar só na estrutura e fazer soar a 2017?
O que eu mais guardo, tanto dessa música como do disco, foi na altura ser um momento de ruptura e de não ter nada a ver com o que tinha sido feito antes. E então tentei respeitar qualquer coisa, que tem que ver com o tom, o timbre, alguns ambientes da própria música, e samplei menos de 1 segundo da música, mas tentei usar excertos daquele tempero, que nos colocam mentalmente numa zona qualquer que não é necessariamente agradável, e tentar trazer qualquer coisa que será a minha necessidade, mesmo quando não há um ritmo assumido, trazer sempre essa urgência de ter que haver ritmo. Houve vários raciocínios quando agarrei o tema, para já foi não estar muito preocupado em respeitar necessariamente o disco como coisa fechada. Pensei que não tenho que fazer algo que esteja ligado ao que eu fiz antes e eu próprio posso assumir uma ruptura e a liberdade de me soltar e fazer alguma coisa inspirada nos Radiohead mas que seja não literalmente ligada ao que eu fiz antes, não tão fácil ao ouvido, e esta música era boa para isso. Depois, tentei perceber um bocado mais sobre a letra, traduzi-a, achei que podia ser interessante pô-la em português e gravei um take de voz inteiro com a letra. E a música como a ouves agora, ela originalmente tinha a minha voz o tempo todo e a parte rítmica é condicionada por aquilo que eu estou a dizer, e vai acentuando e respondendo àquilo que eu li em português.
——————————————————————–
Com Duarte Pinto Coelho
Sábado 13:00 / Domingo 20:00 / Terça para Quarta 00:00

share